Antropólogo transforma mitos da cultura indígena em jogo de aventura
Transformar os mitos da cultura indígena em um jogo de aventura para computador, essa foi a grande realização do antropólogo Guilherme Meneses em 2015
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2015 ficará marcado para o antropólogo Guilherme Meneses, de 27 anos, como o ano em que concluiu o projeto de sua vida: a criação e o desenvolvimento final do primeiro videogame kaxinawá. “Huni Kuin — O Caminho da Jiboia” é um jogo para computador que conta em cinco fases alguns dos mitos desse povo da floresta, os huni kuin.
Kaxinawá é como antropólogos e povos forasteiro chamam esse povo. Huni Kuin, que significa “gente verdadeira”, é como eles se chamam.
Meneses trabalha com jogos há algum tempo, inclusive os analógicos tabuleiros e cartas, mas ele nunca havia criado um videogame completo. Missão essa que foi cumprida com a ajuda do Rumos Itaú Cultural, projeto que premiou essa pesquisa etnográfica ilustrada em um divertido videogame. “Um jogo de videogame exige habilidades diferentes e uma equipe maior, vários profissionais. Foi meu primeiro projeto maior, éramos 8 pessoas”, explica o antropólogo, contando em retrospectiva como o projeto surgiu em 2012, após uma série de pesquisas acadêmicas na USP, onde encontrou em contato com pesquisadores dos índios kunixawá.
Ele realizou encontros em SP para se aprofundar na cultura huni kuin, participando de palestras e rituais. Guilherme conta que há muito interesse desse povo sobre a animação, e para eles o videogame era um novo e fascinante mistério. “Eles contaram de suas mirações, que já tinham visto em sonhos que isso de animação ia acontecer pra eles. Só faltava a tecnologia.”
Definido o projeto e as parcerias, o foco de atuação de Guilherme e sua equipe foi nas vastas terras indígenas dos kaxinawá, localizadas na região do Rio Jordão, no Acre. São 12 grandes terras, com 32 aldeias e mais de 3000 indígenas. Nessas extensas viagens — quase uma semana para se chegar até as aldeias -, Guilherme e sua equipe se aprofundaram na cultura da floresta e conviveram com os huni kuins. “A pesquisa de campo envolvia também oficinas de capacitação com eles, treinamento de técnicas de audiovisual. Também instalamos pontos de cultura, uma parceria. Instalamos câmeras e placas solares em quatro aldeias”, conta Guilherme, orgulhoso das contrapartidas.
Para o levantamento de material e dos pressupostos para o game em si, foram realizadas oficinas de gravação de cantos e vozes com os pajés e índios, de desenho e de música. “Fui lá com várias dúvidas de roteiro, pensando em trabalhar com o enfoque histórico da exploração da borracha, mais foi lá que decidimos como trabalhar a história do game”.
A narrativa final de “O Caminho da Jiboia” é uma aventura que surge a partir do sonho de um pajé, que narra os rumos e desafios de um jovem índio para se formar um hunikuin completo, uma “gente verdadeira”, ao conhecer os mitos e histórias da cultura de seu povo. O colorido game foi desenvolvido no histórico formato 2D, preza pela diversão como pede um bom jogo e tem suas cinco fases centradas nos mitos e na espiritualidade do povo da floresta.
“O universo do game abre muitas possibilidades, e o nosso propósito desde o começo foi passar a mensagem desse povo da floresta. E tivemos uma ligação espiritual com eles, muitos da equipe eram antropólogos, o que faz ser mais fácil lidar com os indígenas”, reconta o coordenador do game. “Eles receberam a gente muito bem, fizemos oficinas lindas, eles acreditaram na gente e botaram fé no trabalho”.
Para Guilherme, “O Caminho da Jiboia” não é só um game, mas um verdadeiro portal da cultura huni kuin. E é por isso que o game terá uma versão na língua kaxinawá. “Isso é de grande importância, pois eles querem usar o game na escola indígena”, diz. As ambições para o lançamento do game passam ainda pela busca de apoio para uma versão em celulares, e a disponibilidade gratuita de todas as versões.
Em março a primeira versão de “O Caminho da Jiboia” será jogada nas aldeias lá na floresta amazônica, depois em Rio Branco (AC) e na sequência em São Paulo.
“Hoje a gente vê que nosso projeto teve um escopo muito grande, então tivemos que lutar pelo orçamento. Foi um jogo grande, que mexeu com muita coisa na terra indígena”, conta o propositor. E a realização do game só foi possível com o prêmio do projeto no Rumos do Itaú Cultural 2013/14. “O Rumos ofereceu o apoio principal. Foi uma ideia que nasceu na academia, e virou algo muito além, de caráter paradidático, mas também um projeto de arte e cultura”.
Guilherme relembra que notou essa característica interdisciplinar de seu game ao expô- lo na mostra do Rumos, quando viu seu joguinho lado a lado de vários artistas de São Paulo, sendo muito bem recebido. “O Itaú ofereceu o suporte para concretizarmos nosso projeto”.